Sessão de 26 de junho 1867 (Câmara dos Pares)
http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/cp2/01/01/01/082/1867-06-26/2121
Senhores – A comissão de legislação examinou o projeto de lei n.º 194, vindo da câmara dos senhores deputados, tendo por objeto a reforma da legislação penal e a fixação do sistema penitenciário, objetos correlativos e que era forçoso harmonizar (…) Dois grandiosos princípios encerra o projeto: 1.°, a abolição da pena de morte; 2.°, a adoção do sistema de prisão celular de dia e de noite, com trabalho e completo isolamento, mas só de preso a preso: a comissão de bom grado se associa ao pensamento do governo.
Ela, pelo que respeita ao primeiro princípio, não é arrastada pelos argumentos engenhosos e subtis dos filósofos humanitários, que negam à sociedade o direito de impor a pena de morte; se esta o não tivesse, também se lhe não poderia conceder o de aplicar a prisão, porque a liberdade do homem é tão preciosa como a vida, e é mais conforme à sua dignidade morrer livre que viver escravo temporária ou perpetuamente; mas a comissão entende que a pena de morte, nem é necessária (e a experiência o tem mostrado), nem satisfaz os fins da penalidade. Aparecem é verdade criminosos dotados de instintos ferozes, de espírito recalcitrante, praticando e repetindo delitos que envergonham e horrorizam a humanidade; mas nem é neles impossível a regeneração, como atestam vários exemplos da história sagrada e profana, nem eles podem de novo ofender a sociedade, enquanto por falta de provas de emenda moral estiverem na prisão: a onça, o leão, o tigre vivem inofensivos dentro da jaula. (…)
O Sr. Costa Lobo: – Eu não me disponho a discutir o projeto, porque é impossível fazê-lo nestas circunstâncias; mas confesso que não pode o meu espírito sofrer que deixe passar esta ocasião sem protestar (permita-se-me a expressão) contra o sistema que se está seguindo. Tocados de uma espécie de vertigem, como se diz, que sentem os viajantes que visitam as cataratas do Niágara que, vendo cair a água aos turbilhões, se lhes perturba a vista, e quase perdem a cabeça, tendo a tentação de se lançarem à água; assim vejo a câmara a lançar-se nesta catarata de leis que corre em turbilhões. Vendo isto não me atrevo a mandar para a mesa qualquer proposta que possa parecer que oferece algum obstáculo ao empenho de correr a passos precipitados, como se se tratasse de salvar o mundo, por modo que não se admite nada que possa demorar essa obra, e desarranjar os planos salvadores, estabelecendo agora de novo a questão do pauperismo. Parece que se trata, que sei eu? de propor o decretamento da paz universal ou a pacificação imediata do Oriente… E tudo pode ser, porque na verdade parece que estamos todos inspirados, que não estamos discutindo num parlamento, mas formando um concílio ecuménico.
Eu vejo, Sr. Presidente, que se aprova o orçamento em poucos minutos, que se faz o mesmo com as reformas das secretarias, com o decretamento dos códigos, com a reforma do sistema penal, e com tudo que há de mais importante. Já estou vendo propor dispensas de regimento para impressão, e até para nem se lerem os pareceres! Por certo ninguém deixará de dizer que o parlamento português esta inspirado! Isto sim, que é progresso; onde está ou onde fica o sistema inglês? Pois no meio destes calores tropicais hão de seguir-se as fórmulas inglesas tão frias?! Havemos de estar aqui dez e doze horas a discutir, como ali se faz? Nós para discutirmos uma reforma eleitoral ou qualquer assunto importante gastamos só uma sessão, e até, sendo necessário, uma pequeníssima parte dela. Atrevemo-nos a reformar a legislação penal, sem estudo e sem ter que substituir-lhe. De que hão de servir aquelas velhas ordenações e aqueles fosseis livros clássicos de jurisprudência criminal? Qual será a sorte dessas volumosas obras de Pegas, de Lobão, de Pereira e Sousa e de tantos jurisconsultos e praxistas?! Aí passam num momento, depois de aprovado o projeto do código civil, das estantes dos magistrados, juízes e advogados, para as tendas e mercearias, aonde vão servir de papéis para embrulhar (riso). Com um simples traço de pena ficam as bibliotecas reduzidas a nada!