Paladinos do Abolicionismo

O sr. Faria Rego: — Eu quando me opus à abolição da pena de morte já antevia que a minha oposição havia de ser condenada e anatematizada como reacionária, rançosa e velha. O que não esperava era que se dissesse que eu me opunha à abolição da pena em todos os crimes; e como se julgou a matéria discutida e me não chegou a palavra, a pedi para explicações.

Não me conformo com a abolição nos crimes de assassínio, incendiário e moedeiro falso. Quanto a mim a pena é legítima quando a sociedade o exige e reclama, e ilegítima quando dela não precisa.

Diz-se «é ilegítima” e manda-se o homem morrer na guerra, acutilar e atirar ao povo nos tumultos, e deixa-se nos crimes militares; então para estes é legítima e para os assassínios, incendiários e moedeiros falsos é que não é legítima, mas sim ilegítima. Não se compreende esta coerência.

Estou nesta parte em tudo conforme com os bons princípios expendidos pelo nobre ministro da justiça. No que não estou decacordo é em dizer s. ex.ª que a nação se acha em estado de receber a lei. A desmoralização campeia solta, tem eivado todas as classes, não se respeita a autoridade, o pai não respeita a vida do filho, o filho não respeita a vida do pai, o marido a da mulher, a mulher a do marido; e os crimes praticam-se com circunstâncias horrorosas e da maior perversidade.

A estatística apresentada de 1860, 1861 e 1862 é contraproducente. Ela diz que em 1860 foram os crimes 2467, sendo assassínios 140; que em 1861 foram 4050, mais 1585, e os assassínios 215, mais 74; e que em 1862 foram 4330, mais 278 que em 1861, e os assassínios 195, menos 20 que em 1861.

A estatística devia ser de mais anos, e dos anteriores e posteriores ao tempo em que a pena se deixou de executar, e acompanhada das circunstâncias agravantes. De outra forma nada se podia colher.

As nações mais adiantadas e mais moralizadas, a França, a Inglaterra, a Itália, a Bélgica que tantas vezes aqui se apresenta para modelo, ainda a não aboliram.

Nós estamos com ela abolida de facto. Porque se não esperou que as prisões se façam, e aquelas nações com quem não podemos competir nos dessem o exemplo?

Conservasse-se por mais tempo este florão à coroa que tanto lhe fazia realçar a simpatia e o amor dos povos.

Por todos estes motivos é que me opus à abolição da pena naqueles crimes, e por entender que era preciso conservar ainda o fantasma.

Diz Horácio — o bom é bom por amor à virtude; o mau é bom por temer a pena, e que primeiro se devia moralizar o povo, o que não é difícil, exterminando a impunidade.
São estas as explicações que desejava dar como base da minha opinião, e por isso concluo dizendo que muito desejo que a opinião do nobre ministro se verifique e realize, o que duvido. Receio que talvez se repita o que se presenciou em 1836 e 1837.

Neste tempo os crimes eram em grande número e atrozes, a justiça não lhe punha termo. E o que fez o povo? Arrogou a si a vara da justiça, prendeu e matou sem processo nem sentença; mais de quarenta foram mortos só no Minho. Não faça o carrasco morto aparecer muitos. Repito: desejarei que não, e que a opinião de s. ex.ª seja a verdadeira. Nada mais digo porque o projeto está votado.

O sr. Mendes Leal: — Parece-me que V. ex.ª, nas circunstâncias em que me chega a palavra, me faz dela um presente inútil. Estas explicações ficarão unicamente no pequeno número dos que nos achamos ainda na casa.
Pouco importa porém. O que tenho para dizer é breve, tanto mais quanto entendo que não se pode renovar a discussão depois de encerrada.

Só pedi a palavra em consequência de ter sido citado o meu nome pelo ilustre orador o sr. Ayres de Gouveia. S. ex.ª referiu-se a uma proposta de lei que eu tive a honra de assignar, e ainda hoje me ufano de haver assignado. Essa proposta continha uma aplicação ainda mais radical do princípio que hoje votámos. Votando este principio tal qual vem formulado no artigo 1.° do atual projeto, não se cuide que me afasto das opiniões então expressas. A câmara, resolvendo enviar às comissões respetivas a reforma penal no tocante ao exército… e eu acrescentarei que também à marinha, onde a matéria é talvez ainda mais melindrosa!… em nada prejudicou a questão. Toda a ideia da contradição está pois naturalmente removida!

A isto se reduzem as minhas explicações.
Duas palavras só direi mais, se a benevolência dos ilustres deputados mo permite… e pois que mo permite. São para me congratular muito deveras com os nobres oradores, os srs. Belchior Garcez e Cunha Salgado. Mostraram ss. ex.ª desejar que só as modificações dos costumes, e os progressos da civilização determinassem a abolição da pena de morte.

Folgo de estar de acordo com ss. ex.ªs Foi exatamente o que aconteceu (apoiados). Há vinte e um anos que temos a fortuna de não presenciar uma só execução capital; e é assim que a abolição, antes de entrar nos domínios do direito, já estava feita nos costumes e nos factos! Há vinte e um anos que os progressos da civilização, justificando a reforma com a antecipada experiencia, nos incitavam a abolir a pena de morte  (apoiados). O que hoje fizemos foi só homologar a decisão de duas cadas incruentas, e introduzir na lei o que já andava na prática… (apoiados), na prática assim do reino como do ultramar!

E tanto assim que, sejam quais forem as hesitações de ss. ex.ª em tal assunto, se fossem chamados a aplicar tal pena, não ousariam pôr o seu nome por baixo de uma sentença de morte!

Narrou-nos o nobre orador, o sr. Belchior Garcez… como costuma narrar… que teve ocasião de assistir aos derradeiros tormentos de um padecente… e de padecente inocente!… na véspera da sua execução!… Se alguma vez na minha vida tivesse acompanhado nos seus últimos momentos um inocente condenado à forca, longe de impugnar a abolição da pena de morte, seria o mais fervoroso apóstolo, e o mais entusiasta defensor da reforma que de uma vez e para sempre atalhasse esses pavorosos equívocos da justiça humana!…