Paladinos do Abolicionismo

Sessão de 27 fevereiro 1867

http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/cd/01/01/01/040/1867-02-27/593?q=%2522pena%2Bde%2Bmorte%2522&from=1867&to=1867&pOffset=20&pPeriodo=mc&pPublicacao=cd

 [Ministro da Justiça Barjona de Freitas]

Reformar as prisões, acomodando-as aos progressos da penalidade e assegurando-lhes as indispensáveis condições de capacidade, segurança e salubridade, esse é como vedes o meu principal propósito. Mas pela estreita conexão que prende o sistema das prisões à legislação penal, pareceu-me que devia cuidar do remodelamento e alteração daquela legislação, no que mais instantemente estava pedindo reforma e requerendo emenda. Fora incompleto o meu trabalho, se reformando as prisões mantivesse inalteráveis as penas.

E porque não pareça estranho que, na mesma ocasião em que o governo se propõe sujeitar ao exame do parlamento o projeto de código penal, venha submeter separadamente à vossa consideração uma proposta de lei que naturalmente cabe e pertence ao plano daquele projeto, direi apenas que não só as providências contidas nesta proposta foram subordinadas ao pensamento e sistema do projeto de reforma do código penal, que brevemente vos será presente, se não que na mesma urgência dos males que intento atalhar, e na natural detença e morosidade que requer o exame e aprovação de trabalhos daquela ordem, estão sobejamente indicadas as rasões que me inclinaram a propor-vos a reforma parcial e imediata da legislação penal.

Apreciemos as principais disposições da proposta de lei a que estou aludindo.
Avulta entre todas a que suprime a pena de morte nos crimes civis. Largo tem decorrido o pleito disputado entre os defensores das garantias sociais, que naquela extrema e sanguenta punição julgam ver assegurada a ordem e defendida a sociedade, e os zelosos propugnadores da inviolabilidade da vida humana, que amaldiçoam como desnecessária e criminosa a pena que paga o sangue com sangue, que mata mas não corrige, que vinga mas não melhora, e que usurpando a Deus as prerrogativas da vida e fechando a porta ao arrependimento, apaga no coração do condenado toda a esperança de redenção, e opõe à falibilidade da justiça humana as trevas de uma punição irreparável.

Desde Beccaria até Mittermayer com vária sorte tem corrido o certame. Fora longa a reprodução dos argumentos com que em abono de ambas as opiniões se há ora defendido, ora opugnado a necessidade e legitimidade da pena de morte. Levantada à altura de um grande problema social, as nações e os governos, os filósofos e os estadistas consagraram-lhe particulares cuidados e procuraram conciliar em racional solução os direitos da humanidade com as garantias indispensáveis à segurança e à ordem públicas. Está instruído o processo. Resta sentenciá-lo. Toca aos governos a iniciativa.

Poucas palavras resumirão o meu pensamento. Não vem a meu intento longas dissertações. Em assunto tão estudado fora ocioso reproduzir rasões e ideias que andam de há muito na circulação pública. Quero apenas fundamentar o que proponho.
Em meu pensar a pena de morte seria legítima se a justificasse a lei da proporcionalidade da pena ao delito, e indeclinavelmente a reclamasse a necessidade social. O primeiro direito da sociedade é o da sua conservação. Se, para o assegurar, carecesse daquela extrema penalidade, não poderia contestar-lha o direito, nem recusar-lha a civilização e a moral.

Onde a estatística criminal acusa a frequência progressiva de crimes de subida gravidade, onde não bastara as diligências da prevenção e a severidade das penas que não atacam a vida, onde a instrução, a moralidade, a brandura dos costumes, não alcançam dispensar o rigor da suprema penalidade, a necessidade social basta a legitimar nos poderes públicos o direito de aplicar a pena de morte quando ela não ofenda a justa proporção entre o castigo e o crime.