Paladinos do Abolicionismo

Neste assumpto da pena de morte, ainda bem pode Portugal gloriar-se de ser o primeiro que a aboliu em relação às mulheres. Note isto a câmara. Antes de em país nenhum, antes de na própria Toscana se abolir a pena de morte, o que teve lugar em 1774, abolimo-la nós em relação às mulheres. Desde 1772, quer dizer, há noventa e cinco anos que em Portugal não morre justiçada uma mulher. Pergunto à câmara se as mulheres com não serem assassinadas há tanto tempo e com terem a certeza de o não ser se tornaram perversas, assassinas? As mulheres que ainda hoje são assassinadas legalmente em toda a parte, e até em Espanha e Inglaterra, onde reinam mulheres, noventa e cinco anos não dirão mais à câmara do que todas as minhas palavras e todos os comentários que possa fazer? Em relação aos homens faz amanhã dois meses sobre vinte e um anos que Lagos assistiu à ultima execução; temos portanto a maioridade da abolição da pena de morte. Estão completos vinte e um anos, podemos dar-lhe o foro de cidade. Chegou à maioridade; está emancipada a abolição, consignemo-la portanto na lei.

Nós hoje quase que se quiséssemos não podíamos fazer uma execução, porque a opinião pública reagia energicamente contra isso (apoiados), e até porque tivemos o bom senso de destruir o local onde se levantava a forca em Lisboa, e fazer-lhe em cima a gare do caminho da ferro. Substituímos a barbaria pela civilização. Onde se ouvia o gemido e se via a agonia do moribundo, estrebuchando na forca, ouve-se hoje o silvo da locomotiva, vê-se a vida e o progresso. E assim que nós fazemos; é pois necessário aboli-la, porque não temos já local sequer para a praticar. Não temos algoz, queimou-se a forca, desapareceu o local.

O sr. Ministro da Justiça: — Como se vai votar o projeto, tenho a fazer um pedido em que eu creio que concordará o ilustre deputado o sr. Aires de Gouveia.
S. Ex.ª propôs que a abolição da pena de morte fosse extensiva aos crimes militares. Como eu já disse a s. ex.ª, este projeto é simplesmente do ministério da justiça, o sr. ministro da guerra não foi ouvido a respeito dele. S. Ex.ª tem de apresentar a reforma do código penal militar, e nessa reforma tem lugar o tratar-se da substituição da pena de morte por uma outra pena, porque não basta abolir a pena de morte nos crimes militares, é preciso tratar de a substituir.
Em todo o caso estou certo de que a câmara não quererá tornar este princípio extensivo ao exército sem ouvir o meu colega o Sr. Ministro da guerra (muitos apoiados).

Mas, como tudo isto pode prejudicar o andamento regular deste projeto, eu peço aos ilustres deputados que aprovem esta reforma, que aceitem o princípio da abolição da pena de morte; mas que em nome da mesma reforma não a estejam comprometendo e demorando por causa de uma proposta que pode ter o seu seguimento à parte (apoiados).
Por consequência peço a V. ex.ª que  o devido destino à proposta apresentada pelo meu colega e amigo, o sr. Aires de Gouveia, sem prejuízo do seguimento deste projeto que vamos votar, para sobre ela serem ouvidos a comissão de guerra e o ilustre ministro (apoiados).

O sr. Aires de Gouveia: — Não posso ceder da minha ideia, sinto muito. Vendo um projeto apresentado neesta câmara para a abolição da pena de morte, entendi que era ao mesmo tempo para os crimes militares. Se a câmara não quer votar a abolição radical da pena de morte, a minha proposta fica simplesmente com o meu voto. Não entendo a distinção, não a posso entender por caso nenhum. (O sr. José de Moraes: — Apoiados.) Não posso de certo convencer a câmara com as minhas palavras; fico com a minha consciência e com o meu voto.
Voto pela abolição radical da pena de morte (apoiados).