Paladinos do Abolicionismo

Sessão de 18 junho 1867

http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/cd/01/01/01/126/1867-06-18/2018

[Tem a palavra o relator da Comissão]

O sr. Presidente: — De accordo com o governo passa-se ao projecto de lei n.° 54, ficando suspensa esta discussão.
Leu-se o projecto n.° 54.
É o seguinte:
PROJECTO DE LEI N.º 54
Senhores. — A vossa commissão de legislação penal, procurando desempenhar-se do difícil encargo de que foi incumbida, e desejando corresponder à confiança com que a honrastes, examinou com todo o escrúpulo e atenção a importantíssima proposta de lei de reforma penal, e das prisões, apresentada pelo governo ao parlamento, e em resultado do referido exame tem a honra de submeter à vossa ilustrada consideração o seu parecer sobre tão momentoso assunto.

É fácil de ver, pela simples leitura da mencionada proposta, que ela contém duas partes principais, que, conquanto pesam distinguir-se com facilidade, todavia se ligam naturalmente uma à outra.

Abrange a primeira parte a reforma penal propriamente dita, e a segunda a reforma das prisões. Antes porém de expor e justificar resumidamente os princípios gerais em que uma e a outra se baseiam, e as suas principais disposições, julga a vossa comissão dever desde já declarar que, não obstante serem profundas e radicais as alterações que tais reformas vêm introduzir na nossa legislação, não as considera perigosas, como inovações temerárias, mas antes está intima e firmemente convencida de que se forem realizadas, como é mister, nas devidas condições, hão de ser de muita utilidade e gloria para o país.

Feita esta prévia declaração, pela qual a vossa comissão se pronuncia desde já a favor da proposta do governo, temos a honra de chamar a vossa atenção para as disposições mais importantes da primeira parte da referida proposta.
Começa esta por abolir, no artigo 1.°, a pena de morte em todos os crimes civis, e basta o enunciado de uma disposição de tal ordem para mostrar a importância e a gravidade do assunto, e o quanto se poderia escrever sobre a questão que o mesmo artigo vem em grande parte resolver.

Há pouco mais de um século que Beccaria, no capitulo 16.º do seu Tratado dos delitos e das penas, examinou os fundamentos do direito que a sociedade se arrogava sobre a vida de seus membros, e concluiu por lhe negar esse direito.

E conquanto Bentham, inclinando-se à mesma opinião, assevere que este asunto foi tão bem discutido na obra de Beccaria, que se pode dispensar o tratar-se de novo depois dele, a questão da pena de morte tem sido, não obstante tal asseveração, amplamente discutida e examinada em todas as suas faces, tanto nos escritos dos filósofos, jurisconsultos, poetas e romancistas, como nas discussões das assembleia legislativas, e nos relatórios das comissões nomeadas expressamente para a estudar.