E não se julgue que este preceito é letra morta. Está em pleno vigor; simplesmente o seu campo de aplicação é limitado, no espaço e no tempo, restringindo-se esta ao teatro e à duração da guerra.
Mas existe; existe para prevenir a prática de certos crimes gravemente lesivos do interesse nacional, ou para puni-los quando perpetrados. Integrá-lo na escala penal, com certo carácter de relativa generalidade, não é afinal mais do que ampliar as suas condições de aplicação.
Todos os povos vivem hoje, pode dizer-se, em estado de guerra permanente – a pior das guerras, a mais cruel e a mais impiedosa, que é a guerra do interior. Trata-se, pois, em última análise, de aplicar a esta guerra, de que o Estado não tem a iniciativa nem a responsabilidade e em que a sua posição é simplesmente defensiva – a lei da guerra.
O trabalho obrigatório e público impõe-se desde há muito, como correção necessária ao nosso regime geral de trabalhados condenados. A sua quase totalidade cumpre a pena de prisão em permanente ociosidade, porque, nos respetivos estabelecimentos penais, não tem trabalho, nem poderá vir a tê-lo.
O Estado não pode organizar nem manter oficinas bastantes em todas as cadeias; nem lhe seria fácil, ainda que fosse possível, assegurar o consumo de todos os produtos aí manufaturados, sem falar em que a atividade industrial livre dificilmente poderia suportar essa concorrência, dadas as condições gerais dos mercados.
A solução deste problema tem de ser procurada noutra parte. Não o seria o regresso à tentativa, já feita, do trabalho voluntário fora da prisão. A experiência demonstrou, em pouco tempo, que a realidade não correspondia às excelências da intenção. Encontrar-se-á talvez no trabalho fora da prisão, sim, mas obrigatório e regulado.
São já muitos e de várias espécies os trabalhos públicos empreendidos pelo Estado e pelos municípios.
Alguns, pela sua índole especial, são de caráter permanente. Muitos outros hão de necessariamente empreender-se em prazo curto. Nesse vastíssimo campo há pois muito onde empregar e aproveitar, com manifestas vantagens de vária ordem, todas as possibilidades de trabalho dos condenados. Tudo aconselha que se faça a experiência.
Opõe-se à instituição das penas referidas – capital e de trabalhos públicos – o preceito do artigo 8.º, n.º 11.º, da Constituição. Aí se estabelece, com efeito, entre as garantias individuais dos cidadãos portugueses, que – “não haverá penas corporais perpétuas, nem a de morte, salvo, quanto a esta, o caso de beligerância com país estrangeiro e para ser aplicada no teatro da guerra”.
A inclusão de tais penas na nossa escala penal, mesmo quando a sua aplicação haja de fazer-se só em casos excecionais, exige pois a prévia modificação desse texto constitucional.
Pelo exposto, tenho a honra de apresentar o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º O n.º 11.º do artigo 8.º da Constituição passa a ter a seguinte redação:
“Não haverá penas corporais perpétuas, nem a de morte, salvo, quanto a esta, o caso de beligerância com país estrangeiro e para ser aplicada no teatro da guerra, e, quanto a ambas, os crimes contra a segurança do Estado”.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrário.
Assemblea Nacional, 25 de Novembro de 1937.- O Deputado José Cabral.