Cortes Constituintes

Sessão de 15 de outubro de 1821

http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821/01/01/01/063/1822-10-15/795?q=%2522pena%2Bde%2Bmorte%2522&pOffset=540&pPeriodo=mc

O Sr. Sarmento: – Sr. Presidente, eu não tive o sentimento de me ver obrigado a apartar-me da opinião da ilustre Comissão, da qual eu tenho honra de ser membro quando se tratou da doutrina deste artigo, na parte em que se propõe, que não possa ter lugar o perdão régio na pena de morte, quando o crime tem parte, e esta não perdoa.

É desnecessário que eu faça aqui ostentação a respeito de um objecto de jurisprudência criminal, cuja importância é tão grande como o saber dos ilustres Deputados diante de quem falo.

A pena de morte, como galantemente se expressou o nosso amigo Jeremias Bentham, cada dia se vai fazendo menos popular, à proporção que os espíritos se vão alumiando com o progresso da cultura do entendimento humano, e que os costumes se vão adoçando. Por tanto a pena de morte se há de ir cada vez mais limitando com o andar dos tempos, os quais visivelmente caminhão deixando após de si os costumes bárbaros.

Segundo estas reflexões, e muitas mais que facilmente ocorrem, pareceu-me que a doutrina deste artigo não era conforme com os princípios de se considerar a pena de morte como satisfação à vindicta publica somente, porque a não ser debaixo desse principio, a ser como satisfação particular, iremos conservar a barbaridade dos primeiros tempos dos Romanos, e estabeleceremos leis próprias para a China, aonde a morte traz consigo outra morte.

Eu convenho que existem muitos argumentos, e de escritores muito acreditados, e neste mesmo recinto ouvimos a opinião de um muito sábio colega nosso, que eu muito respeito, e o qual muito se opôs à concessão de prerrogativa real do direito de agraciar; porém felizmente está vencido, e é um artigo da nossa Constituição, que a El Rei compete o direito de perdoar ou minorar as penas aos delinquentes em conformidade das leis.

Convenho que das formalidades depende a execução desta prerrogativa real, e que pode argumentar, que o artigo em discussão, exigindo o perdão da parte ofendida, estabelece as restrições legais, a fim de que possa ter lugar o perdão d’El Rei. Serei toda a minha vida de parecer que a satisfação da ofensa particular somente pode ter lugar sendo a parte indemnizada conforme se possa, porém nunca poderia considerar o sacrifício da vida do ofensor senão como satisfação à sociedade ofendida, e nunca para satisfação particular.

Farei também uma reflexão acerca das palavras do artigo será executado logo. Este logo deverá entender-se na forma observada geralmente nas execuções de semelhantes sentenças. Há casos em que as sentenças se não podem executar logo: o direito civil romano expressamente determinava que a mulher que estivesse pejada não padecesse a pena de morte até dar à luz, determinação que se acha no Digesto no titulo de Poenis, ou de Publicis Judiciis, não me lembro com exactidão em qual deles, porém eu ignoro haver lei entre nós que o determine: os Ingleses, que não deixam de ser inclinados à pena ultima, tem estabelecido mais outra excepção, para que se defira a execução da pena de morte, e é quando o sentenciado perde o juízo, e fica “non compôs”.

Lembrei estas duas excepções, a fim de que se entenda que apesar de se determinar a imediata execução da pena de morte, existem casos em que ela se não deve executar imediatamente em atenção a motivos de justiça e humanidade. Torno a repetir que eu não segui nesta artigo a opinião dos meus sábios companheiros da Comissão, e isto com muito sentimento da minha parte, por quanto confesso que das conferencias que tivemos tirei muita ilustração e conhecimentos.

(…)