Sessão de 3 de setembro de 1822
O Sr. Soares de Azevedo: – Temos a resolver um quesito proposto pela Comissão especial do regimento das relações, se enquanto não se organizam os juízes de facto devem os juízes da primeira instância, ou sejam de fora ou ordinários, proferir sentença de morte. Com efeito todos os ilustres Membros que têm falado sobre este objeto tanto por um como por outro lado têm ponderado razões muito fortes na verdade, porém eu ainda mesmo que visse a balança no seu justo equilíbrio e não me parecesse propender mais para a parte negativa, eu sem dúvida seguiria esta por me parecer mais favorável à humanidade, e mais conforme com os nossos princípios filantrópicos.
Sim, senhores, seria muito para desejar que nós pudéssemos abolir inteiramente de entre nós a pena de morte, a experiência porem mostra que ela é absolutamente indispensável para conservação da sociedade, mas já que nós não podemos extinguir a pena de morte ao menos não a tornemos mais dolorosa, mais dura, e mais sensível.
É claro que a sentença de morte proferida em primeira instância por um só homem há de necessariamente ser examinada por uma relação; todos sabem em consequência o grande espaço de tempo que deve mediar entre a primeira sentença e sua execução, e que momentos de amargura e tormento não passa um infeliz em todo esse grande espaço de tempo? A quantos não serão talvez mais penosos cada um desses momentos do que o da própria morte? Quantas vezes não assassinamos nós, para assim dizer, a este infeliz? E que interesse tira daqui a sociedade de tais aflições, de tais agonias, e de tais tormentos de espírito? É sem dúvida esta a razão por que todos os criminalistas concordam e recomendam que entre a imposição da pena de morte, e a sua execução deve só mediar o menor espaço possível, e só aquele que se tornar indispensável, e nós decerto nos apartamos destes princípios tanto mais, quanto mais instanciar neste caso concedermos, e desnecessariamente como esta de que se trata.
Senhores, o objeto em questão não é de tão pequeno momento como talvez à primeira vista pareça, ele é digno de ser pesado com muita madureza.
Na censura de direito a sentença proferida por um só homem tem maior probabilidade de falível, do que sendo proferida por uma relação, e é por isso que para esta se dá apelação; se a sentença pois sendo proferida por um homem só tem mais probabilidade de falível do que a proferida por uma relação, para que havemos de conceder a um homem só o poder proferir sentença sobre a morte de um homem, ainda que se diga, que ela pode ser reformada na relação?
Suponhamos que ela pode ser reformada na relação, e ser o réu nela absolvido, mas é também necessário supor que o réu pode injustamente ser condenado à morte pelo primeiro juiz, e quem apesar de ser o réu depois absolvido na relação o há de livrar do tenebroso e melancólico susto e receio da morte, que sofreu em todo esse espaço da tempo? Quem lhe lavará essa ignomínia de ter sido condenado à morte? Acaso não é isto uma pena, é uma pena assaz terrível, e capaz de per si só realizar ou ao menos aproximar muito o instante do fim de teus dias? E com que necessidade? Se a última sentença da relação é a que em tal caso há de ter a execução, de que serve a primeira sentença? Porque não evitamos todos aqueles resultados que é muito possível acontecer?
Lembremo-nos que muitos réus condenados à morte depois de estarem de oratório são absolvidos só pela razão de terem sofrido um receio tão iminente da morte, julgando-se só por isso terem purgado o delito, e a experiência tem mostrado que estes pouco tempo vivem depois, portanto o caso não é de lana caprina como alguns o querem supor. São certamente estas as razões porque pelas nossas leis atuais ninguém pode ser condenado à morte senão em relação e por seis ministros; e queremos nós em tempo constitucional e de liberalismo ser menos liberais! Onde está essa filantropia tantas vezes aqui proclamada em favor do humanidade? Lembremo-nos, que concedendo aos juízes em primeira instância o poderem proferir sentença de morte, o resultado será absolver sempre o réu, vendo que tem a ser julgado em segunda instância, e bem longe de fizermos com isto um bem à sociedade fazemos-lhe um mal.
Sou portanto de parecer que aos juízes em primeira instância principalmente aos ordinários de modo algum se lhes deve conceder o poder proferir pena de morte.