I República e a Guerra

Sessão de 31 agosto 1916

http://debates.parlamento.pt/catalogo/r1/cr/01/02/01/016/1916-08-31/8?q=%2522pena%2Bde%2Bmorte%2522&pOffset=70&pPeriodo=r1

O Sr. Correia Barreto: — Manda para a Mesa um projeto de lei, de alteração da Constituição na parte referente a recompensas, de que a Assembleia Constituinte, de que fez parte, foi bastante avara, e na que diz respeito à abolição da pena de morte.

Tem responsabilidades ligadas a esse ponto, porque apresentou em Conselho de Ministros do Governo Provisório a proposta de abolição da pena de morte, mais tarde sancionada pela Constituição.

Não se previa, então, que o exército tivesse de enquadrar-se com o exército de nações estrangeiras, batendo-se na Europa ou onde seja preciso, e apenas se supôs que teria de defender a sua Pátria, hipótese em que não poderia haver traidores ou espiões. E sendo certo que vários países liberais e de grande civilização, como a Itália, a Suécia, a Noruega e o Brasil, aboliram a pena de morte para os crimes civis e a conservaram nos seus códigos militares, parece-lhe que Portugal pode bem fazer o mesmo nos termos do seu projeto, para o qual requer a urgência e a dispensa do Regimento.

Leu-se na Mesa a seguinte

Proposta de revisão constitucional

Artigo 1.° O n.º 3,° do artigo 3.° da Constituição Política da República Portuguesa fica substituído pelo seguinte:

«A República Portuguesa não admite privilégios de nascimento, nem foros de

nobreza, e extingue os títulos nobiliárquicos e de conselho.

Os feitos cívicos e os atos militares podem ser galardoados com ordens honoríficas, condecorações ou diplomas especiais.

Se as condecorações forem estrangeiras a sua aceitação depende do consentimento do Governo Português».

Art. 2.° O n.° 22.° do artigo 3.° da Constituição é eliminado.

Art. 3.° Após o artigo 59.° da Constituição será inserto o seguinte artigo: ,

Art. 59.°-A A pena de morte e as penas corporais perpétuas ou de duração ilimitada não poderão ser restabelecidas em caso algum, nem ainda quando for declarado o estado de sítio com suspensão total ou parcial das garantias constitucionais.

  • Único. Excetua-se, quanto à pena de morte, somente o caso de guerra com nação estrangeira, em tanto quanto a aplicação dessa pena seja indispensável, e apenas no teatro da guerra.

Art. 4.° A Constituição será novamente publicada com as modificações constantes dos artigos anteriores.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das sessões do Congresso.— António Xavier Correia Barreto, Senador.

(…)

O Sr. Presidente: — Consulto a Câmara sobre o requerimento do Sr. Correia Barreto.

Foi aprovado.

O Sr. Ministro da Guerra (Norton de Matos):—

Relativamente à pena de morte, de oito nações em que ela foi abolida nenhuma deixou de a ter nos seus códigos militares, por se reconhecer que ela é absolutamente necessária nas instituições militares para o caso de elas terem de desempenhar a sua mais alta missão, e enquanto a guerra for uma necessidade não pode deixar de estabelecer-se ao lado dela a pena de morte.

É levado pelo reconhecimento dessa necessidade que o Governo aceita essa parte do projeto e se não deixou arrastar por sentimentalismos ou pelo desejo de armar à popularidade. Entretanto não é intenção do Governo aumentar as disposições do Código Militar de 1896, no que se refere à pena de morte, e até não a julga necessária em algumas dessas disposições. A pena de morte é estabelecida apenas como uma necessidade militar e somente no teatro da guerra; por isso muito lhe agrada uma disposição do projeto que nitidamente se refere ao estado de sítio.

É nestas condições que o Governo perfilha o projeto apresentado.