Sessão de 23 fevereiro 1835
O Sr. Pessanha: – Resolvi-me a propor nesta Câmara um projeto de lei para ser abolida a pena de morte em quase todos os casos, porque julguei esta medida há tanto tempo reclamada pela humanidade, não só própria para dar realce ao começo do Reinado da Adorada Senhora D. Maria. Segunda, mas sobretudo para contribuir a pôr termo às nossas discórdias.
O livro quinto da Ordenação do Reino foi escrito com sangue, mas esse livro quinto há muito tempo que está derrogado pelo desuso. Os mesmos algozes togados de D. Miguel não ousaram pô-lo plenamente em prática a respeito dos crimes, que qualificaram de alta traição, ou Lesa-majestade exacerbando a pena de morte nos patíbulos a que fizeram subir tantas vítimas, pelo menos foram obrigados a pagar esse tributo às luzes do século, a atrocidade do usurpador viu-se forçada a esconder-se nas trevas, exercendo os seus furores sobre os desgraçados que sepultava nas masmorras. Se não tivesse acontecido a luta do absolutismo contra a liberdade, raros teriam sido nestes últimos cinquenta anos os sacrifícios cruentos à justiça, já pelas providências gerais dos nossos Príncipes, já pela habitual propensão deles, de fazer uso do mais belo atributo da realeza, o direito de perdoar ou minorar as penas. Os crimes nem por isso se tornaram mais frequentes; pelo contrário grandes passos se deixam na carreira da civilização. O maior abuso da pena de morte entre nós, mesmo no sistema do governo absoluto, estava reservado para o tirano por excelência do século 19 minime lusitano more.
Força será por isso agora, que devemos estabelecer a paz, e concórdia entre a família portuguesa que trilhemos um caminho oposto ao do tirano, ao qual sobretudo derribaram do trono os seus furores. A consideração só de que o erro dos julgadores a respeito da pena de morte é irreparável é bastante para fazer estremecer o Legislador que a consente, e sendo de recear que no estado de irritação, a que nos levou uma luta tão atroz como a de que acabámos de sair, o espírito de partido faça propender os ânimos para aplicação desta pena, mesmo a respeito de delitos que nenhuma relação tinham com a política devendo cada erro que se cometer neste ponto de vista ser um novo facho de discórdia, ponhamos termo quanto possível for a esses fatais extravios da justiça dos homens.
Eu quisera propor à Câmara a total abolição da pena da morte, há porém duas circunstâncias em que me parece que se não pode prescindir dela, a primeira nos casos em que é prescrita para a manutenção da disciplina militar em quanto pelo aperfeiçoamento das sociedades políticas, não poder ser eliminada a força armada, que se denomina exército permanente, a segunda é o caso daqueles réus que tendo sido condenados a trabalhos públicos, ou prisão por toda a vida, matarem os seus guardas, em tais circunstâncias só o receio da pena de morte os poderá conter: deverão também ficar salvas as disposições do Decreto contra D. Miguel.
Tenho portanto a honra de propor à Câmara o seguinte projeto de lei.
Art. 1.° Fica abolida a pena de morte, e substituída pela de prisão, degredo, ou trabalhos públicos, por toda a vida em todos os casos, à exceção dos prescritos nos artigos de guerra, e mais disposições militares, e no caso de assassinato de guardas pelos indivíduos confiados a custodia delas.
Art. 2.° Ficam subsistindo as disposições do Decreto N.º contra D. Miguel, e seus aderentes.
Art. 3 .° É derrogada toda a legislação em contrário – O Deputado, Francisco António de Almeida de Morais Pessanha.