I República e a Guerra

Sessão de 14 março 1922

http://debates.parlamento.pt/catalogo/r1/cs/01/06/01/011/1922-03-14/3?q=%2522pena%2Bde%2Bmorte%2522&pOffset=20&pPeriodo=r1

O Sr. Júlio Ribeiro: – Sr. Presidente: Morte à morte! Guerra à guerra! Ódio ao ódio! Vida à vida!

Sendo hoje a primeira vez que venho à minha Câmara, depois de se haver anunciado na imprensa um projeto de lei restabelecendo a pena de morte em Portugal, não posso, não quero, ficar calado ante essa terrível e irrealizável ameaça que, num instante, ao tomar dela conhecimento, me lançou nas artérias um frio glacial que me tornou febril.

Bem sei, Sr. Presidente, bem sei que esse extraordinário plano seria nobremente, valorosamente, quási por unanimidade, esmagado na Câmara dos Deputados, e que ao Senado não chegaria a vir, mas nem por isso devo deixar de fazer uma afirmação de princípios neste lugar, onde se traduza nitidamente o sentimento humano que orienta estas minhas descoloridas e sinceríssimas palavras.

Representando aqui milhares de homens bons, sentimentais e fortes, para quem a vida humana é alguma cousa de sagrado, ainda quando associada ao crime, na expressão sintética de Alexandre Herculano, quero dizer do alto desta tribuna a esse nobilíssimo povo da Beira, de forma que todo o País bem me ouça, que, interpretando o sentir das suas almas simples, sãs e lavadas, repeliria com energia e decisão esse diploma fatídico e macabro. (Apoiados).

Não, Sr. Presidente, não lhe daria o meu voto. Não! Combatemo-la com veemência, pondo nesse santo combate todo o poder da minha inteligência, todo o ardor febril do meu sangue, toda a vibratilidade dos meus nervos, todo o amor do meu coração, todo o( sentimento 3a minha alma e todos os pensamentos do meu cérebro em tempestade.

Digam o que disserem os criminalistas e filósofos – e renhido foi o debate em 1830 e 1848 – a pena de morte está fora da Humanidade, principalmente desde que a Ciência, invadindo os domínios da antropologia criminal, nos demonstra haver crimes sem haver criminosos. (Apoiados).

O autor do crime é, em regra, um doente de facílima classificação patológica, a maior parte das vezes também de fácil cura. (Apoiados).

Portugal, o nosso nobre Portugal, ao rasgar dos Códigos as páginas sinistras e de sangue que continham a pena de morte, a pena irreparável, o assassinato legal, foi glorificado por altas e inconfundíveis mentalidades mundiais com verdadeiros hinos à vida.

Entre essas manifestações e homenagens à nossa terra, destacam-se as de Vítor Hugo, o génio divino que encheu o mundo com a luz brilhantíssima do seu espírito de sol.

São duas expressivas cartas dirigidas a dois jornalistas, Eduardo Coelho e Brito Aranha, representando o mais alto preito que aquele gigante do pensamento podia tributar a um. povo.

Deixe-me a Câmara que lhas leia. No meio de tanta desolação e tristeza, esta leitura faz bem à alma e levanta os corações:

“A. Eduardo Coelho. – Está, pois, a pena de morte abolida nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma tão grande história!

Penhora-me a recordação da honra que me cabe nessa vitória ilustre.

Humilde operário do progresso, cada novo passo que ele avança me faz pulsar o coração.