Pena de Morte: porque não falar dela nas escolas?

Entre as pessoas que se interessam por questões ligadas à educação para os Direitos Humanos e Cidadania a resposta que dou sobre a utilidade de estudar na escola o tema Pena de Morte (que SIM, deve ser tema prioritário) é muito minoritária.

Quando defendo que, por exemplo, na disciplina de História, de qualquer ciclo, esse tema devia ser mais abordado, já sei qual o tipo de reações que vou ter.

A mais comum é “não temos pena de morte em Portugal, para quê falar disso? Importante é falar de questões mais próximas.”

Ao que contraponho, precisamente por isso.

O risco de ressuscitar o tema é diminuto e, ao não falarmos disso, até parece que temos vergonha como Estado e como povo de lembrar algo de que até nos devíamos coletivamente orgulhar. 150 anos sem pena de morte.

Além disso, a reflexão sobre a pena de morte cai no domínio do tipo de raciocínio sobre o absurdo e sobre o limite: quem entenda e perceba, por sua própria reflexão, a inutilidade de matar por sanção um criminoso horrífico, vai ter mais abertura à tolerância noutros domínios, por absorção do tipo de raciocínio.

Por exemplo, vai pensar de outra forma sobre a tortura ou sobre o tratamento dos presos. E até sobre o racismo e a injustiça em geral.

Refletir sobre a pena de morte e sobre as razões porque Portugal é abolicionista é mesmo altamente formativo.

Muita gente me diz: “já há muitos alunos a favor da pena de morte. Falar disso vai agravar o problema.”

Penso o contrário: por não se falar disso é que o problema se agrava. E contamina outras reflexões dos alunos sobre direitos humanos.

Completam-se em 2017, 150 anos sobre a abolição da pena de morte em Portugal (para os crimes não militares). (…)

Nas escolas estamos a falar disso?

Ou, embrenhados no imediatismo das discussões mais próximas sobre Direitos Humanos e, aparentemente, mais interessantes na utilidade, da violência do namoro ou do racismo (ou outras) perdemos a noção de que a discussão de um tema cultural vasto (alegadamente distante) mas que até interessa aos alunos pode, por via indireta, mas eficaz, ajudar também aí, abrindo vias de reflexão até para o que é quotidiano e imediato.

Vitor Hugo foi um escritor que abordou genialmente e como pioneiro o tema. Da sua obra tira-se talvez uma conclusão forte: não é difícil ser contra a pena de morte para um inocente.

Difícil é entender porque se tem de ser contra mesmo para um culpado. E pensar sobre isso faz pensar sobre quase todas a vertentes dos Direitos Humanos. E sobre o modelo de sociedade e valores associados.

Além disso, os nossos alunos vivem num mundo global. E no mundo global há pena de morte, e muita….

Se nós não temos pena de morte no nosso território, ela ainda existe na Europa (Bielorrússia) e no resto do mundo as execuções estão a aumentar. E não se conta a China (aquele país com quem temos relações comerciais e empresariais tão estreitas…).

Pena de morte e Constituição – comemorações em risco de esquecimento nas escolas…

Completaram-se no passado dia 2 de Abril de 2016, 40 anos sobre aprovação da Constituição da República Portuguesa, que entrou em vigor no dia 25 de Abril de 1976.

Não sei quantas escolas previram no seu plano de atividades anual comemorar esse facto mas se não o fizeram foi pena.

No meu caso, nesse dia e nas suas redondezas, irei falar aos meus alunos desse tema (que, ainda para mais, faz parte do programa de História do 6º ano). E, não só a propósito do número redondo de anos, mas principalmente pelo conteúdo.

A Constituição, mesmo se alguns a discutem, ainda hoje, politicamente (atuação legítima e justa, que mostra uma Democracia, apesar de tudo, viva), tem, naquilo que é essencial, largo consenso dos Portugueses.

A sua tendência forte de garantia e defesa dos Direitos Humanos e a definição, nas suas normas, de um Estado de Direito Democrático fazem com que, aquilo que dela é discutido e até contestado, não seja, de forma nenhuma, aquilo que é mais essencial no consenso constitucional de 1976.

PODE SER ABORDADA DE MUITAS FORMAS NAS ESCOLAS E, NA VERDADE, O QUE É MAIS TRISTE É QUE NÃO SEJA.

Durante 20 anos, tenho percorrido centenas de escolas de todo o país, em sessões sobre temáticas relacionadas com Direitos Humanos, e, sempre que lembrava aos alunos que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é lei em Portugal por causa do artigo 16º, nº2 da CRP, pedia para me encontrarem na Biblioteca uma edição atualizada da dita Constituição: em (muito) mais de 50% das escolas, o que aparecia era uma edição desatualizada ou nenhuma …. Numa das escolas (velha escola secundária), nos meados de 1990, ainda me trouxeram uma edição da de 1933….

Uma boa forma de o Estado comemorar os 40 anos era uma boa edição escolar da Constituição, com comentários pedagógicos, para vários níveis etários, por bons especialistas.

E não precisava de gastar muito dinheiro. Bastava colocar num qualquer site público….

Já houve edições do género por editores comerciais e há alguns sites com informação mais focada para crianças mas falta estratégia para isso ser mais eficaz, apesar do calor de alguns debates parlamentares passados e algumas iniciativas a aguardar sequência descentralizada.

No Brasil, até há versões para crianças em Banda desenhada.

1976 – ANO DA ABOLIÇÃO DA PENA DE MORTE. MAS NÃO FOI HÁ 150 ANOS?

Mas, no dia 2 de Abril, passa também outro aniversário redondo, muito importante, e que vai ter sequência em 2017, noutra efeméride que deve ser indispensável, em qualquer plano de atividades de escola que se preze do país que somos…

Execução decapitaçãoA Constituição de 1976 recolocou Portugal no grupo dos países plenamente abolicionistas da pena de Morte. Se virem a maioria das listas sobre abolição da pena de morte verão que Portugal, ao contrário do que diz a voz pública, só se tornou totalmente abolicionista em 1976.

O tema é complexo de explicar todo ele e também nestes detalhes de datas. Muitas vezes, aponta-se a data de 1867 e gabamo-nos, com algum nacionalismo limitado, de termos sido o 1º país do mundo a abolir a pena capital.

Não só a questão não é um campeonato como, se fosse, Portugal, mesmo pioneiro, não seria historicamente o primeiro, sendo precedido pelo Japão (ainda na Idade Média, embora tenha reintroduzido e mantenha execuções ainda hoje), Toscânia (hoje desaparecido como País, já que é parte da Itália), Venezuela ou San Marino, por exemplo.

Mas a verdade é que sermos uma sociedade abolicionista é algo que deve suscitar reflexão nas escolas mesmo que não sejamos “os campeões”. Na União Europeia fomos claramente os primeiros e  na Europa, como continente, ainda há um país que pratica execuções (Bielorrússia).

Em Portugal, em 1911, tinha havido uma decisão do novo poder republicano de abolição total da pena mas, em 1916, com a entrada na 1ª Guerra Mundial, foi reintroduzida para os crimes militares no teatro de guerra e assim se manteve até 1976.

Em 1917, chegou a acontecer uma execução na Flandres, de que foi vítima um soldado do corpo expedicionário português. Antes de 1911, e desde 1867, Portugal manteve a pena de Morte para os crimes militares, embora nunca tenha sido aplicada (e quando foi tentado, isso tenha gerado grande clamor público).

Mas, para os crimes não cometidos por militares (a óbvia maioria) a pena foi realmente abolida em 1867 (o documento que resultou nessa decisão é tão significativo que está hoje classificado com a marca do património europeu), o que faz com que, em 2017, passem 150 anos sobre a abolição efetiva da pena de morte em Portugal, facto central da nossa História e que as escolas devem comemorar.

Muitos me dirão: comemorar isso é “lembrar coisas que não interessa lembrar; já que não há, para quê falar disso?”.

Não posso concordar: realmente há muitos estudantes que, questionados sobre o problema, se dizem favoráveis mas isso não deve servir de pretexto para ignorar o assunto mas, sim, para debater, esclarecer e aproveitar o debate para falar de Direitos Humanos.

A atitude de não falar do tema pode ser consoladora para os que acham que, evitá-lo, impede manifestações mais públicas da vontade de alguns de voltar atrás e esquecer essa tradição centenária portuguesa (tão antiga que a última mulher executada o terá sido em 1777, isto é, há 240 anos, em 2017, outra data que mereceria comemoração).

E não se negue a utilidade de estudar o tema, já que tem contiguidade a outros muito atuais e até pelo seu valor próprio como reflexão educativa.

Por essa ordem de ideias negativa, mas valia nem estudar História (ideia que alguns políticos teriam por tentadora).

Sendo um facto histórico em Portugal, a abolição da pena de morte ainda é um problema em muitos países do mundo, alguns deles países com quem temos relações estreitas (China) e até em Democracias (Estados Unidos, Japão ou Índia, por exemplo).

E estamos a educar os nossos alunos para viverem neste mundo ou num mundo em que os assuntos desagradáveis são afastados por o serem?

Por isso, esperemos que, em 2017, haja no máximo de escolas (e quem sabe também por iniciativa do Ministério da Educação, embora a autonomia das escolas valha mais que ficar à espera disso) comemorações, com atividades preparadas e escolhidas pelos alunos, sobre esse facto histórico em que, mesmo não tendo sido os primeiros, devemos como comunidade ter muita satisfação: há 100 anos que o nosso Estado não executa nenhuma condenação à morte e há 150 anos que, no território administrado por Portugal, não há qualquer condenação ou execução.

Por aqui, no ComRegras, prometemos divulgar, apoiar e até ajudar a realizar, dentro das nossas possibilidades, até porque, o objetivo de uma escola com paz e sem violência passa principalmente por ter alunos que reflitam com profundidade sobre a sua humanidade e sobre direitos.

Por isso essa comemoração será um excelente pretexto pedagógico.

Texto de Luís Braga, publicado em 1 de março de